Nunca pare de sonhar

Algumas músicas são inspiradas e nos ajudam a pensar a vida. Assim é com a canção que motivou-me escrever este artigo que traz o mesmo título: “Nunca pare de sonhar”, também conhecida como “Sementes do amanhã”, de autoria de Gonzaguinha (1945-1991), gravada nos idos de 1980. Sem sonhos que nos permitam olhar para o futuro, corremos um grande perigo de, muitas vezes, desanimarmos da vida, como se tudo fosse mera repetição de dias, com mais frustrações que alegrias.

Os fatos que vivenciamos nos últimos tempos, em extensão global, enfatizam a necessidade de resgatar a novidade da vida no dia a dia, afinal de contas cada novo dia é presente. Resgatar a capacidade de admirar-se com o simples, com o belo, com as pequenas coisas do cotidiano: um sorriso, um abraço, um flor, uma xícara de café na companhia de pessoas queridas. Nos demos conta, igualmente, que a própria vida é um presente, e é tão forte quanto frágil; um sopro.

A impressão é de que se acentuou o anseio de dar uma resposta à vida. Aqui cabem os sonhos, enquanto projetos de vida, os quais também remetem à finalidade da existência. Quem nunca se perguntou: “Para que nasci?  O que quero da vida ou o que a vida quer de mim? Qual o sentido da vida?”. São perguntas existenciais e essenciais para o ser humano, pois nos levam à outra dimensão do ser pessoa. São indagações que nos fazem perceber que o que chamamos de EU é mais que um corpo físico e um pensar racional, como que apenas produto das sinapses neurais. Estas questões levam-nos para outra dimensão do nosso ser denominada Psique ou Alma.

O termo Psique tem origem no grego Psyqhé, sendo sinônimo de alma. No âmbito psicológico, segundo a Psicologia Analítica, teoria desenvolvida pelo psiquiatra suíço Carl G. Jung (1875-1961), Psique se refere à totalidade dos processos psíquicos (o mundo interior) de uma pessoa, aspectos conscientes e inconscientes; enquanto Alma pode ser entendida como a personalidade, a qual deve estar em constante desenvolvimento e formação.

Somos um único ser, formados por corpo e psique/alma que influenciam-se mutuamente. Percebemos isto através dos sentimentos e emoções: quem de nós nunca sentiu uma raiva arder no peito ou apertar a garganta: ou um medo de bambear as pernas? Ou, ainda, pensamentos que muitas vezes parecem ter autonomia e influenciam comportamentos além da nossa consciência. Provavelmente o leitor já ouviu ou mesmo disse algo como: “parece que estava no piloto automático”. Em outras situações, o corpo expressa aquilo que a consciência não consegue assimilar ou a pessoa não consegue expressar, através de sintomas físicos, compreendido então como psicossomática.

A razão de compreender esta dinâmica corpo-psique é perceber que o sentido da vida humana não está num ativismo cotidiano ou nas conquistas materiais. Somos mais do que isto! “Quem e o que sou; para que estou aqui”, são perguntas que só podem ser respondidas plenamente a partir de dentro, do nosso mundo interior, da realidade psíquica. São questões da alma humana. Uma pessoa que concebe a vida apenas a partir do mundo externo, do que faz ou deixa de fazer, está, conforme a terminologia de Jung, dissociada, separada de si mesma. Há como que uma ruptura na personalidade, onde sua consciência (percepção de si mesmo e do mundo externo) está oposta ao seu inconsciente (o mundo interno). O problema é que, por desconhecermos os processos internos estamos suscetíveis a sofrermos seus efeitos, os quais aparecem como: angústias, ansiedades, depressões, e tantos outros conhecidos sofrimentos da alma que podem, em casos graves, levar alguém a pensar em desistir da vida, por desesperançar de encontrar e viver seu lado bom e bonito, por deixar de sonhar.

Eis, talvez, a principal finalidade dos sonhos: reconectar-nos conosco mesmos, nosso ser consciente e racional com nossa alma, afinal, os sonhos vêm da alma! Nunca parar de sonhar os pequenos/grandes sonhos do dia a dia, e, principalmente, encontrar o propósito da vida, escondido no mais íntimo de cada pessoa, tem o potencial de renovar ou devolver à existência o sabor e o colorido originais. O primeiro verso da canção pode iluminar esta questão, que deve ser refletida sem pressa e sem pausa: qual desejo ou vivência da infância ficou gravado na alma?

Se o leitor, porventura, não conhece a canção, deixo-a aqui. Vale a pena conhecê-la, ouvi-la, neste período de fim e início de ano que favorece preparar e lançar novas sementes.

NUNCA PARE DE SONHAR

(Semente do Amanhã) – Gonzaguinha

Ontem um menino que brincava me falou

Que hoje é semente do amanhã…

Para não ter medo que este tempo vai passar…

Não se desespere não, nem pare de sonhar

Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs…

Deixe a luz do sol brilhar no céu do seu olhar!

Fé na vida, fé no homem, fé no que virá!

Nós podemos tudo,

Nós podemos mais

Vamos lá fazer o que será

Nunca pare de sonhar e não tenha medo de sonhar grandes sonhos. Ouse e persevere, pois quem lança uma semente na terra sabe que ela terá uma ‘vida interior’ antes de germinar, antes de despontar e ver a luz do sol. Os sonhos são sementes do amanhã, e são prenhes de esperança.

Lúcia Fátima Reolon dos Santos

Psicóloga – CRP 08/26098

Contatos: (45) 99107.3344 / luciareolon.psicologa@gmail.com

Pós-graduada em Imaginação Ativa; Pós-graduada em Psicologia Analítica: Clínica Junguiana; Graduada em Psicologia; Pós-graduada em Ensino Religioso; Graduada em Teologia.